Cascadura | Aleluia

Cascadura

Aleluia

[Garimpo Música; 2012]

8.1 FITA RECOMENDA

ENCONTRE: Site Oficial

por Yuri de Castro; 15/05/2012

Oficialmente, há uma divisão na história dessa banda. A que se sustentava basicamente em uma sonoridade arquetípica do rock and roll dos 60s e 70s – ainda com o “Dr.” na alcunha artística – e este Cascadura, que lança “Aleluia”, álbum duplo, o quinto em 20 anos.

No meio dessa história, em 2006, quem levasse gato por lebre certamente não voltaria para reclamar após perceber o equívoco inicial. Foi assim com “Bogary” (tente achar pra download aqui), álbum que antecede este novo trabalho do Cascadura. Vendido juntamente com a Outracoisa, revista que mensalmente trazia um álbum independente encartado, o verde quase musgo e o galo da arte gráfica poderiam ter levado a banda ao Procon caso o resultado do álbum não fosse tão surpreendente, principalmente à onda boba de revisitação samba-rock que havia naquela época – e a capa de Bogary poderia ser tranquilamente de uma banda dessas, ainda mais com o nome Cascadura, também nome de um tradicional bairro carioca.

Não era samba-rock. Pelo contrário. Bogary consagrava a tentativa de ser singular na discografia da banda e também no cenário independente. E foi – e ainda que sem estourar, o álbum foi o grande responsável por boa parte dos fãs que a banda conquistou longe de Salvador. Passou a ser, desde então, nome constante no boom de festivais brasileiros que surgiram na mesma época, foi atração também do SWU e até o single “Centro Do Universo” foi tocado ao vivo no Programa do Jô.

De alguma forma, “Aleluia” é o remendo estético de “Bogary”. O trabalho antecessor não é subvertido – pelo contrário, é continuado – mas ganha acréscimos que não foram incluídos na arte final em 2006 (como a percussão afro de “O Cordeiro” embevecida em guitarras desaforadas) e chega a revisitar o álbum de 2004, “Vivendo em Grande Estilo” (como em “O Rei do Olhar” e, principalmente, em “Soteropolitana” por causa da letra em uma música típica da primeira fase da banda).

A outra parte da banda recebe tributo em “Uma Lenda de Fogo”, música pouco inspirada em sua intepretação, mas que caberia – com fôlego – nos primeiros álbuns da banda. Enquanto isso, “Aleluia” desfila alguns convidados e, em pelo menos um deles, a escolha é mais do que um capricho. “To Your Head” é, possivelmente, a melhor da segunda parte do álbum. Quem está ali não só é a Orquestra Rumpilezz sob tutela de Letieres Leite, mas uma música que explora o subtexto do Cascadura: as referências aos ícones religiosos comuns e pertinentes ao baiano, a voz de Fábio Cascadura como se riff de guitarra fosse, a boa letra, o arranjo envolvente.

A faixa seguinte é a supracitada e excelente “O Cordeiro” e isso expõe um peculiar prolongamento do registro; ainda que a separação em dois álbuns evoque e valorize a concepção do álbum, “Aleluia” traz muitas referências já amplamente usadas ao longo dos 20 anos da banda. Mesmo assim, é o segundo “lado” de “Aleluia” que traz um Cascadura mais inusitado – o que nem sempre poderá invalidar a primeira parte, uma vez que funciona bem como síntese do que é a banda.

O álbum também recebe Jajá Cardoso (Vivendo do Ócio), Pitty e Ronei Jorge. Vale lembrar que a banda da cantora é praticamente egressa do Cascadura: o (bom) guitarrista Martin Mendonça, o baixista Joe e o ex-marido da cantora, o baterista Duda Machado e, por isso mesmo, a participação da baiana é singular, ainda que “A Mulher de Roxo” não seja uma faixa inesquecível e que reviva a parceria das duas bandas ao longo do tempo. Já Ronei Jorge leva consigo os temas solares de sua banda para dentro de “Dava Pra Ver”, ótima faixa – e também da segunda parte.

Acima de tudo isso, este registro é um escape para o ouvinte que não se lembra do último álbum com pose roqueira sem vícios extremamente banais no cenário brasileiro. E com um bônus: bem produzido, dá vontade de… tocar rock com “Aleluia”. O álbum conserva o estilo pegajoso por culpa clara das letras de Fábio Cascadura e dos riffs marcantes de quase todas as canções do disco. O revezamento de integrantes e a não tão grande repercussão de Bogary não escapam de “Aleluia” pro ouvinte de primeira viagem e esse é um mérito – ainda que, por outro lado, a inconsistência de algumas faixas do álbum possa ser explicada por tudo isso. E o que acaba importando é a relevância das ótimas faixas sobre essas que não sobressaem – o placar é alto pro talento da banda. A faixa-título (e que abre o álbum com direito a citação para “Kiss From A Rose”, do cantor Seal), “O Rei do Olhar”, “O Delator”, “Colombo” estão com todas as características do Cascadura e conseguem fazer que a muito ruim “Sonho de Garoto” passe totalmente despercebida. E isso é outro mérito de um bom álbum – seus defeitos passam a jogar ao lado da concepção do álbum.

Quando os macacões vermelhos entravam em cena para os shows da turnê Bogary, o Cascadura não sabia com muita certeza como o mercado compreenderia a consolidação do próprio estilo da banda em um registro mais coeso, respeitando a incursão por várias vertentes do rock feita durante a carreira. “Aleluia” e suas 22 faixas soam como uma forma de responder não só à indecisão do gênero, mas respeita também as decisões de uma banda que se faz outra a cada vez que desmonta seu próprio cântico.