Ao Move That Jukebox, Iberê Borges escreveu: O perfeccionismo que, naturalmente, se soma ao suingue, onde cada detalhe em cordas, vozes e sopros se envolve com a percussão e com belos timbres, é o que faz de Feras Míticas uma obra tão sincera quanto calculada e pretensiosa – mas veja bem, isso é um elogio. Ao Miojo Indie, Cleber Facchi afirma, dando nota 8, que crescer tem um significado próprio para o Garotas Suecas, e a julgar pelo resultado do novo álbum, eles estão só começando a entender isso.

Não compreendo a relação entre a nota e o veredito acima e tampouco, no texto de Borges, o que signfica perfeccionismo num álbum que não tem suingue num lugar em que se quer ter suingue e no qual cordas, vozes e sopros se envolvam com a percussão e com belos timbres sem conseguir, portanto, criar canções que se traduzam em algo além de bytes. Mas, corroboro Facchi: “Feras Míticas”, de fato, chega com uma missão mais digna à banda do que para os ouvintes.

Triste o dito, é possível passar incólume pelo novo disco do Garotas Suecas. Não é inedito: fundir partes em um condensado que pareça natural pode ser tarefa tanto árdua quanto simples. Há quem lute e chegue com ardor a este resultado. E há quem, naturalmente, faz-se assim. O grupo paulistano não é um, nem outro. É algo, uma massa sonora, é uma banda que ainda vai  vir (ou não).

Por não ser tosco nem complexo, o Garotas Suecas é impecável em um equilíbrio que, em “Feras Míticas”, não significa mérito. É, aliás, um desafio adjetivar alguns elementos deste segundo álbum da banda.  Aqui, cuidado e desafio não se degladiam. São polarizados. O disco é cuidadoso, mas não é recompensador tanto equilíbrio. A própria alusão a este equilíbrio também me é duvidosa. Até onde ser equilibrado aqui é, de fato, uma condição do álbum a ser destacada, levando em conta – não a qualidade da banda, mas – um cenário musical de intensas apropriações de influências, como o atual? As letras não encontram reforço na melodia, as vozes principais raramente se aproximam de uma interpretação e, assim, só se assemelham às composições por ausência de viço.

“Feras Míticas” é uma peça de tentativas pouco exploradas atualmente e, por isso, não é descartável (se for a ti, leitor, saiba que um álbum como este pode garantir um alicerce para movimentos futuros interessantes à banda). Não à toa, seu antecedente chega, em alguns momentos, a apontar possibilidades que poderiam ser incríveis a curto-prazo. Mas de “Escaldante Banda” a “Feras Míticas” a transição é muito pouco impressionante. Agora, funk, o soul e o samba-rock do disco ficam em uma camada muito inferior a tais possibilidades. O segundo registro do Garotas Suecas traz, basicamente, as mesmas qualidades do debute, entre elas a facilidade de criar temas que desaguam tranquilamente em refrões pop quase muito bons, ora quase ganchudos, ora quase até experimentais, se comparados à música pop-quase-radiofônica de hoje.

“Eu vou sorrir pra quem é gente boa” (lançada em compacto e vídeo-sigle sob o título de “Eu Avisei Você”)  é um desses exemplos. Junto com “Charles Chacal”, canção de Sergio Brito e com participação de Paulo Miklos (e de coro quase em aproximação com “AA UU”, dos Titãs), forma os êxitos de evolução mais evidentes desde “Escaldante Banda”. A primeira por seu tema crescente, que (não) explodirá em metais enquanto a voz de Guilherme Sal viaja em meio ao riff principal e à bateria (nada) arrepiante; a segunda por sua letra, que trafega pé-a-pé com as intervenções vocais e instrumentais ao longo da canção. Talvez por isso, a grande canção do disco é “A Nuvem”, que habita um terreno incomum aos dois álbuns. Nela tudo funciona – ao ponto da participação de Lurdez da Luz ser digna de uma versão bônus – em especial os interessantíssimos arranjos de cordas (responsabilidade do produtor Nick Graham-Smith) que traduzem-se na letra e na melodia.

No entanto, há uma diluição incontestável e, sim, talvez já natural na estética do Garotas Suecas (triste o dito). Não há, de minha parte, torcida para o peso, para o deslumbramento ou qualquer outro tipo de oposição ao que faz o Garotas Suecas, porque, talvez, pudessem cair no mesmo erro: o do artifício. Mas a falta de apelo não é, aparentemente, uma escolha estética. Ou seja: a banda soa querer ser pretensiosa e não ultrapassa um som despretensioso. Por todo este novo álbum ela parece ser uma lacuna não preenchida por nenhum dos lados: nem é pela banda, tampouco será pelo ouvinte. O vocal frágil de Sal é incapaz, por exemplo, de traduzir e interpretar as outras fragilidades que envolvem a banda e, insisto, isso é um dos elementos que torna por demais passageiro e comum o som de uma banda que obviamente se  esforça para atentar-se a um sem número de influências. Mas toda essa vontade cai por terra logo que o processo se mostra escaradamente nessa fragilidade não atingida propositadamente. Até por isso, “Roots Are For Trees” não consegue ser a grande canção que esboça ser e “O Primeiro Dia” não consegue ser ruim como tinha tudo pra ser. E, ainda em inglês, outro destaque do álbum também é um desperdício: “New Country”. É nela que Sal e grupo quase conseguem uma identidade. Mas não foi e se faz ralo.

É comumente dito que os meios de boa vontade já se exaurem. Há boa vontade com o Garotas Suecas por culpa dos cacos que vão surgindo de canções que parecem nunca serem finalizadas apropriadamente (então temos um mérito e um desmérito nesse processo). “Feras Míticas” expõe uma banda com identidade dita pronta, sem que os processos que buscam essa identidade sejam divulgados (em diálogo, em construção ou mesmo fechados) em seus dois álbuns (ou seja, não temos a tal identidade). Em busca de um espírito cotidiano – por vezes sensual e desleixado – presente no funk e no soul, o Garotas Suecas se aprimora para construir, ainda, o rascunho de um possível projeto interessante de composição. “Manchetes da Solidão”, é um exemplo agudo de tudo o que o Garotas faz bem. Como é boa chegada ao refrão, o crescente. Mas, claro, exclua desse processo a sofrível “O Primeiro Dia”. Quem sabe um dia fiquem (e fixem-se) como prometem em uma das faixas.