Holger | Ilhabela

Holger

Ilhabela

[Independente; 2012]

7.4

ENCONTRE: Bandcamp

por Livio Vilela; 27/11/2012

Os três lançamentos do Holger até aqui foram nomeados a partir de coisas bem específicas: uma bebida, uma peça de roupa e, agora, uma cidade. São itens aparentemente distintos, mas que compartilham em si as mesmas ideias de libertação e êxtase que parecem acompanhar a música do grupo. Se a cachaça que dá o nome a “The Green Valley” (o título vem da dita “melhor cachaça do Brasil”) não descreve muito bem o clima invernal quase norte-americano das 5 faixas do EP, a onda de uma bebida forte casaria perfeitamente com a transformação com a perda da inibição musical e temática pela qual o quinteto passaria nos dois anos que se seguiram. Ironicamente lançado no alto inverno de 2010, “Sunga” foi o momento em o Holger definiu o que seria o antes e o depois de sua carreira, deixando o sol entrar à medida em que flertavam com o pop pós-Police (seja Vampire Weekend ou Paralamas), música eletrônica (seja New Order, Friendly Fires ou Ghettotech) e outros name-droppings. “Sunga” afirmava que, sim, Animal Collective e guitarra baiana poderiam estar numa mesma declaração de intenções, ainda que o álbum sempre tenha soado “de temporada” e “de estação” para ouvidos mais exigentes. Como o garoto que aprende a não ter vergonha do próprio corpo, Arthur, Pata, Pepe, Rolla, Tché pareciam finalmente livres para levar o Holger na direção em que quisessem.

Assim, “Ilhabela”, o recém-lançado segundo disco do grupo, mostra o Holger pela primeira vez perfeitamente confortável com sua sonoridade, o que não é sempre bom para o resultado final do álbum. Isso porque essa intimidade com as próprias intenções faz com que o Holger deixe “a mostra” várias de sua fraquezas. Se o fato pode ser facilmente aceito como um ato de coragem, “Ilhabela” às vezes soa descuidado, coisa que a produção de Alex Pasternak do grupo Lemonade (banda da Califórnia-via-NY que vive com o mesmo norte estético do Holger) faz pouco esforço em contornar ou esconder.

Os vocais sempre foram um problema para o Holger, mas em “Ilhabela” eles estão ainda mais frágeis, especialmente em canções como “Tonificando”, em que o clima menos extático impede o uso de uma espécie de coro energético que conduzia boa parte das melhores músicas da banda até aqui. As letras, agora majoritariamente em português, são geralmente simples e ancoradas em frases de efeito como o “Você me deixa vulgar” da própria “Tonificando” ou o “Hoje eu quero te ver cheia de intenção” da faixa-título. Quando funciona, é ótimo, mas em vários momento fica há dúvida se não havia uma maneira mais interessante ou menos piada interna de dizer o pouco que é enunciado (“Se o calor te deixa foda / Então me leva pra nadar”?).

Essa nova liberdade adquirida pós-“Sunga” parece ter deixado o Holger constantemente na corda bamba do incrivelmente divertido e do excessivamente fanfarrão. Os melhores exemplos desse limiar são as faixas centrais do disco, a ótima “Infinita Tamoios” e a descartável “Me Leva Para Nadar”. A primeira, apesar do potencialmente constrangedor refrão “Praticar o amor/ O amor tropical / Polinizar a flor / Do amor tropical”, consegue se transformar num grande hino dançante, graças principalmente ao cavalo-de-pau dado pela colombiana Liliana Saumet do Bomba Estéreo lá pelo meio da música. Já a outra carece de punch, o que é especialmente estranho para uma música que supostamente trata das delícias do sexo oral. Quando o ex-Je Rêve De Toi DW Ribatski aparece num tom mais enjoado do que excitado, é até possível não achar o “Foi ma-nê-ro” do primeiro verso a pior parte da história.

Seja como for, “Sunga” deixava claro que o Holger era menos uma banda de rock e mais uma banda de festa, característica que aparece solidificada em “Ilhabela”. Mesmo nos momentos mais chapados, o Holger parece habitar espaço que é Salvador justaposta à Nova Iorque. Algo como new wave correndo atrás do trio elétrico. O Holger se aproxima da maneira correta dessas influências – eles sabem que se você começou essa história querendo ser o Broken Social Scene, há pouca chance de dar certo querendo ser Banda Eva. Durante todo “Ilhabela”, o que se houve é uma banda de gente que nasceu no rock, mas é cabeça-aberta o suficiente para aceitar seus instintos mais tropicais, ou, por assim dizer, populares. São detalhes singelos, mas perceptíveis, como o exercício estético genuíno na maneira como eles saem do batuque de carnaval de “Great Strings” para o solo de sax oitentista que vai fechando a música até se transformar num ritmo de afrobeat. Por mais livre que seja esse disco, tudo parece bem pensado. “Ilhabela” é musicalmente libertário, mas nunca circunstancial. (A capa remete às pinturas corporais da Timbalada, mas não ousa, por exemplo, um enquadramento como este.)

Se “Sunga” era forjado a partir de uma afirmação, “Ilhabela” é a tentativa quase sempre vitoriosa de dar corpo sonoro a um estado de espírito. A maioria das músicas aqui parecem vir de um lugar celebratório, meio a-vida-é-pra-ser-vivida, que é quase um comercial de verão da Coca-Cola. Por sorte, a vibe combina bem com a ideia de banda que os cinco desenvolveram ao longo dos anos. O que poderia parecer extremamente pretensioso, é crível na versão deles: seja em São Paulo ou em Ilhabela, eles parecem estar se divertindo o suficiente com essa história toda.

E amadurecendo pelo meio do caminho, também. Para uma banda cuja a ideia de “ser banda” sempre pareceu tão preciosa, uma canção como “Ilhabela”, que encerra e resume o disco, até demorou a chegar (e, como era possível prever, é um pico na carreira do grupo). Na faixa, os cinco parecem olhar pelo retrovisor ao fim da viagem e confirmar – valeu a pena. Os ecos da guitarra são puro Paralamas da época de “Alagados”, mas soar populista como Herbert não é a escolha aqui. A reflexão é pessoal demais para soar tanto global, quanto local. “Ilhabela” é um opus sobre a própria história do Holger – 4 anos que parecem de deixado marcas significativas na vida dos 5. Uma história que tem sido bem divertida de acompanhar até para quem não foi citado nominalmente no rompante que encerra a faixa.