Ivete Sangalo | Real Fantasia

Ivete Sangalo

Real Fantasia

[Universal; 2012]

0.4

ENCONTRE: iTunes ou Google

por Yuri de Castro; 06/11/2012

Você pode achar que os versos a seguir são parte de um dos sucessos mais grosseiros da MPB. Era assim, acho: “Como se eu fosse flor: você me cheira; como se eu fosse flor: você me rega. E, nesse reggae, eu vou a noite inteira. Porque morrer de amor é brincadeira”. Surpreenda-se: era um verso conceitual onde Ivete Sangalo, a flor, mostrava como os espectadores a lhe cheirar vão ajudando na manutenção e perpetuação de sua imagem como artista. Nesse embalo, ao ritmo do cordão dos trouxas, ela vai mesmo dias e noites adentro. É a mais-valia mais irregular do mainstream brasileiro. Dá-se muito pouco; ganha-se uma enormidade. É injusto. “Real Fantasia” é desperdício. Por quê isso, Ivete?

Você não fuma, não bebe, não cheira. Contudo, às vezes, querida Ivete, mente bastante. Obviamente, como a história do pop recente brasileiro mostra, mente muito bem. Antes disso, esclareço: todos nós te amamos, Veveta. Mas é preciso que você saiba que não engana a todo mundo.

Desde que Tutinha, chefão da rede Jovem Pan, assumiu as estratégias do lançamento de seu primeiro álbum solo, acompanhamos você como um fenômeno que não parou de crescer. E tudo cresceu: pernas, voz, convites e, claro, o mito. Assim, coisas horrorosas como “Bug Bug Bye Bye”, por exemplo, tocaram a exaustão para um público jovem que ainda não sabia muito bem se aceitava ou não a recente musa do axé. Patinadas aqui e outras acolá, foi dando certo: deixando de lado a péssima discografia, Ivete é uma aula de boas maneiras para qualquer aspirante ao cargo de popstar no país. Talentosa, bonita e amiga das pessoas certas e erradas, Ivete conseguiu evitar até mesmo que a concorrência oferecesse perigo. Mas não é difícil desconstruir essa rede. Perguntas bastam. Vejamos:

É bonitinha, mas será que desperdiça a chance de se tornar um ícone musical do país? É gostosinha, mas será que insiste  num pastiche baiano-caribenho a cada faixa? É uma simpatia, mas será que a assessoria vem trabalhando bem melhor que o arranjador de seus discos? Tem amiga colombiana gostosa, mas será que a expõe em uma das piores gravações do ano? É de um sorriso amigável, mas será que perpetuou de propósito uma rixa desnecessária com a insossa Claudia Leitte?

A decepção merece uma explicação que revelo existente na memória¹. Lembre-se: o disco de 1997 que levou a Banda Eva para todos os litorais do país era mais do que um registro ao vivo. Era uma aula de como um disco popular deve ser feito. Ivete Sangalo era camisa 10. “Beleza Rara” vinha na 7, “Vem, Meu Amor” na 8, “Arerê” na 9, “Levada Louca” na 11, “Leva Eu” e “Alô, Paixão” nas laterais e “Eva” e “Tão Seu” protegendo o gol. Resultado: quase todas as faixas nas rádios. Jabá ou não, o hype se confirmaria revertido em outras milhares de gravações ao vivo vindo dos trios elétricos baianos. Vieram os registros ao vivo de Cheiro de Amor, Terra Samba, Harmonia do Samba… Isso é relevância.

Tal como Roberto Carlos, Ivete Sangalo vai usufruindo do que construiu e fica à espera de um convite vitalício por parte da Rede Globo. Mas o nome deste seu novo álbum (“Real Fantasia”) é a manchete perfeita para qualquer editor sensato estampar quando o país parar em sua despedidas dos palcos. Sua carreira musical é uma farsa que muitas pessoas levaram mil vezes adiante.

Se o papo for música, não adianta Shakira², não adianta Marcio Victor³, não adianta Dori Caymmi4, não adianta Jorge Amado4 (todos presentes, de uma forma ou outra, no disco). Mas como o papo de Ivete nunca gira em torno da música, ela vai se mantendo. Infelizmente, pouquissimo como artista. Sabemos que ela trata muito bem seus funcionários, que seu melhor amigo é seu assessor pessoal, que suas empregadas lhe adoram, que executa suas tarefas domésticas como se não tivesse alguns milhões no bolso, que adora cantar uma MPB de videokê, que tem Preta Gil, David Brazil e Carolina Dieckmann como amigas de camarim, que namorou Luciano Huck, que namorou Davi Moraes. A lista de coisas que sabemos de Ivete Sangalo nunca contemplará a resposta que esclareça qual a sua relevância como artista.

Ivete, você é o homem cordial da música brasileira escorando-se em algum tipo de paternalismo ou compadrio oriundo das rádios e televisões de todo o país. Veja, Ivete, nós te amamos. Mas é individualismo demais que, ao dedicar-se como popstar espetacular somente em suas apresentações (caríssimas!) ao vivo escoradas no seu carisma e público apaixonado (e a fim de beijar na boca), você ache que nos engana lançando um disco com aproveitáveis duas frases (no máximo). Assuma-se cara-de-pau como faz brilhantemente ao levar a igualmente descarada “Lobo Mau” (da banda O Báck) para todo o país. Assuma-se como a musa do churrasco ao dividir com o dono da picanha um hit como este. Assuma-se como fundamental em um sucesso de um artista sem sal. Mas, por favor, não tente nos enganar. Ivete, nós te amamos; mas você está nos sacaneando.

OBS: é uma pena que a Sandy seja uma cantora tão inexpressiva. Seria ótimo desenhar uma piada como “Se eras tão furacão o fenômeno por que ele se chama Sandy e não Ivete?”. Fica pra próxima.

¹http://letras.mus.br/ivete-sangalo/100932/

²³”Dançando”

4“Me Levem Embora” (faixa bônus disponível no iTunes)