Julia Holter | Ekstasis

O quarto é a trincheira fundamental da salvação. A preguiça tem seu tempo no templo da subjetividade plena e, quando desconectado, um refúgio contra a ansiedade contemporânea. Julia Holter usou três anos de terapia em seu quarto para fazer “Ekstasis”, seu segundo álbum. Ele pega de jeito uma paz distante aproximada pela aparente reclusão, traduz-se numa mensagem ambivalente: por essência, é um trabalho construído a partir da fuga, mas o seu conteúdo bate no mais comum, banal, simples, ato de sentir. Mesmo sem fios, condenamo-nos a compartilhar fragmentos dessa vida incidental presente.

A partir de melodias leves e tempos lentos, a voz de Julia soa simples, e abastecida por barulhinhos ela ganha um charme. E mesmo sem esplendor, cativa pelo jeito que permeia as canções embaçadas de memória sem rosto — “não me vem seu rosto, mas eu te quero no meu quarto”, em “In The Same Room” –, e na voz do silêncio — os “dez códigos para a leitura do silêncio” de “Marienbad”. Um lugar comum mal trabalhado pelos clichês cotidianos aparece aqui com uma leitura surpreendente, aquele de que todo tempo queremos o utópico e renegamos o factível. Esse silêncio é o presente, factível, coibido pela vontade de uma falsa memória sem identificação, sem rosto; mas que poderia ser lido.

Linguagem baseada na indefinição criada no abstrato, longe dos erros de uma estrutura rigidamente conceitual. Busca-se um par ausente em presença e vivo na expectativa, que só é alcançado pelo sobrenatural, representado na música “Godness Eyes” em duas partes. Alocadas em ordem invertida na tracklist, a parte dois (faixa seis) se apóia na certeza do “eu posso ver”; numa possível conclusão de caso da primeira parte, que chega duas faixas depois, na nove, totalmente baseada na condicional do “se você vir”. A inversão do começo com o final põe todos os argumentos contra qualquer conclusão. Só resta intuir o vazio.

Entender esses anti-processos contextualiza a audição de um álbum com sonoridades bem atípicas. Embora trate do comum, evita a maioria pela forma. “Ekstasis” funciona como uma configuração sonora do vazio, com espaço para músicas que se repetem e criam singularidades pela citação de temas. Conta com tiradas jazzísticas suaves, gaivotas de “Tomorrow Never Knows” (em “Four Gardens”, juro!) e outros passeios pelo gênero experimental-ambient, favorito de Julia.

Julia Holter experimenta no ambient um álbum de indefinições. Pelo comum de captar os sentimentos mais básicos à sofisticação do gênero base, cria elo subjetivo e silencia o pertencimento no vazio de “Ekstasis”.