Nina Becker & Marcelo Callado | Gambito Budapeste

Em música, referência cresce como capim. Ouvir sem associar é difícil e, nesse jogo, “Gambito Budapeste” propõe uma deliciosa relação. A mensagem cifrada entre Nina Becker e Marcelo Callado é o afeto entre os dois. Um singelo diálogo apaixonado compartilhado nos seus prós e contras.

Paixão quando bate não hesita, a encantadora parábola do amor sem fim. Nina e Marcelo compuseram sozinhos músicas um para o outro e escreveram juntos quase todas as canções — a exceção é “Armei a Rede”, de Assis Valente. É fofa (não tem palavra melhor, desculpa) demais a vontade de um para o outro.

O problema da saudade abre o disco na amável “Cadê Você”. Nina se apega às coisas de sua casa e cotidiano para explicar como a ausencia fere. O café tem gosto ruim, é melhor assistir novela e o apoio no braço do sofá não adianta. Uma imagem bonita para a canção calma, um detalhe da tênue bossa-folk, também presente nas demais composições solitárias de Nina no álbum, “Sem Lei” e “Packing to Leave”.

Cantada por Marcelo, “Futuro” é o ponto alto de “Gambito”. Exagerado e com bom humor, o jeito extrovertido dele acelera o ritmo e cria o único (e insano) refrão “sensação, sensação, sensação, mágica!” Fica sem qualquer significado, solto assim, mas dentro da música se percebe que a alegria excede os limites quando se aproxima de Alguém. Mesmo em um mote lírico igual ao da companheira, ele faz um contraponto interessante. Nina pede a definição “sublime”, Marcelo quer saber de “mágica”.

Essa troca de olhares entre os dois movimenta o álbum, em que o habitual é diferente. Baterista, Marcelo se arriscou pouco como cantor no Do Amor; a parceira é cantora bem quista. Canta para ela como deve ser, sem perfeição e mantendo seu traquejo. Põem o ouvinte num clima aconchegante, que não é obrigatoriamente lentinho. “Marco Zero”, escrita pelos dois, é festiva e tem guitarras distorcidas substituindo o violão.

A situação ideal em que nada é arisco faz “Gambito Budapeste” encantar. Nem todas as lindas declarações, entretanto, viram ótimas canções. O casal (e a banda que os acompanha) desenhou no álbum um trejeito próprio e especial de tratar o repertório. Encheu de brilho algumas faixas, enquanto outras ficaram isoladas, sem conclusão. Um excesso normal que não é demérito, mas extenua quem foge do romantismo do disco.

Por suas metáforas e simbolismos amorosos, as vozes de Nina e Marcelo soam como um chamego compartilhado com o ouvinte. Bom para lembrar e esquecer.