Porcelain Raft: Strange Weekend

O Porcelain Raft surgiu numa época perigosíssima. Em meio ao “estouro” (à fabricação, ao marketing jornalístico) do glo-fi, devidamente inserido e enquadrado numa “tendência” – a pior coisa com que se pode associar qualquer tipo de arte – o projeto de Mauro Remiddi começou bem. “Tip of Your Tongue” era uma faixa suficientemente simples: com uma guitarra reverberada à exaustão e um senso implacável de melancolia agridoce, o que se tinha era uma canção cheia, a reprodução de um momento em que não sobram espaços porque cada um deles está devidamente preenchido. E não só: concebida no contexto de um quarto, a canção se mantinha por se basear, também, na simbiose entre a idéia de uma canção e sua própria execução, suas origens e seus destinos refletidos, considerados e resolvidos. O que fica claro, dito isso, é que a força da melhor canção do rapaz vinha de um casamento: produção e composição, ficção e realidade. Que é justamente o ponto – e o problema – central de sua estréia “cheia”.

“Strange Weekend” é um disco inebriado. Meio embevecido, surge sem desculpas: “Drifting In and Out” é uma meditação cósmica, gigantesca, grandiloquente e segura de si. E seria bastante sintética, não fosse o desenrolar do álbum. Pois “Drifting In and Out”, “Shapelessa & Gone” – e, até certa medida, “Unless You Speak From Your Heart”, uma espécia de brincadeira em cima da essência das duas outras faixas – são a realização plena de um narcisismo sonoro certíssimo de si e, por isso mesmo, de um tipo peculiar de coragem, a de se dizer tão fantástico quanto realmente se é. Tudo isso comprimido, expandido, condensado em duas canções pop: três minutos e pouco, uma dose considerável de catarse e uma rota de acesso direto que não se parece nada com um atalho. O tipo de coisa que se ouve em uma “Walkabout” ou uma “Quarantined” da vida, ambas faixas de um artista que fez um álbum inteiro de músicas amando a si mesmas. Colocados justamente no início do disco, no entanto, os dois “acertos” de “Strange Weekend” acabam tocando em tudo que o disco não é. Porque além dessa fé inabalável em si mesmo, o trabalho acredita piamente no poder da produção – do arranjo dos sons, do tratamento de ruídos, da escolha de ornamentos, acessórios, frases (sonoras) de efeito. E a tragédia que vem de uma crença tão inabalável quanto essa é a verdade que só a música salva.

Produção, nesse sentido, é como a trilha sonora de um filme: enriquece e completa, mas dificilmente sustenta. É por isso que grande parte da estréia “cheia” de Mauro Remiddi acaba se mostrando um bocado vazia. Sem o sustento de canções tão precisas quanto “Tipo of Your Tongue” ou as duas já citadas, o que sobra são faixas menores e anabolizadas, meio desajeitadas por se berrarem maiores do que realmente são. E pouco ajuda que o italiano seja um cancioneiro amoroso, sensível: o que se tem, nos piores momentos do trabalho, são sentimentalismos indulgentes, ligeiramente masturbatórios, adornados por tudo quanto é tipo de barulho, apetrecho, truque.

Todos frutos de um projeto maximalista que não funciona muito bem – e acaba por parecer uma espécie de embuste, mesmo que tenham sido feitos de boa fé. Pouco importa: o que se tem, no fim, é um disco que parece saber enganar, desviar a atenção do fato de que essas são canções meio descontroladas. Não do jeito desvairado que se espera de um descontrole, mas da falta de domínio que um artista tem sobre o que faz, deixando pra trás um trabalho de lacunas, erros, auto-ignorâncias, um trabalho falsamente incompleto, enfim.