Volver | Próxima Estação

Volver

Próxima Estação

[Independente; 2012]

6.0

ENCONTRE: Trama Virtual

por Yuri de Castro; 30/04/2012

Logo após o álbum “Violência”, da banda pernambucana Julia Says, ter sido lançado,  me incomodava perceber que as heranças do Manguebeat (aqui em maiúsculo) não estavam com a geração que dizia ter visto seus nomes no inventário. Eu não sou Pablo Capilé – e tenho grandes receios de argumentos que fecham com o cadeado da ignorância determinado assunto — mas tá difícil se divertir em Recife quando o assunto é música. E, se um turista me perguntasse onde se divertir com música, certamente lhe indicaria um show da Nação Zumbi ou um show dos MCs Sheldon & Boco, Metal & Cego. Um pelo cânone e excelência, outro pelo entretenimento – e um mínimo(zinho) de ousadia.

Curioso que “Próxima Estação”, segundo terceiro registro da também pernambucana Volver, surja embalado na suposta irritação de seus conterrâneos em relação aos versos de “Mangue Beatle”, single do álbum. Normalmente, as vestimentas padronizadas e um ou outro efeito disparado de um iMac são as únicas armas destes amantes do rock que se veste de vintage e que faz a alegria do cenário alternativo no Brasil desde que os Strokes apareceram no início deste século. E, ainda que não arrojem-se algumas músicas de “Próxima Estação”, é um exercício tentar lembrar qual outro disco deste gênero ouvimos motivados por, finalmente, uma sensação de que, agora sim, vamos ouvir uma guitarra que diga alguma coisa, que gere alguma cara feia. E este single e esta mini-polêmica trouxe sal a tudo isso.

Mas aí mora um grande perigo: o subtexto de “Mangue Beatle” não perde em nada para a sua construção física — o arranjo é mediano, a letra bem melhor. Não há provocação barata e pode ser considerada um hino daqueles que, fora do eixo Rio-São Paulo e, sem condições técnicas e financeiras de deslocamento, moram e perpetuam-se em regiões que geraram expoentes para a música brasileira. Também não é uma surpresa o incômodo do Volver com as raízes de um dos mais importantes ciclos da música brasileira. Este manguebeat, em minúsculo, alvo deste enjoo da banda, é a rebarba, é a aresta de Chico Science. É quando temos a pior das proporções: onde a memória é muito maior que o material para criar mais memória. “Essa lama nos teus dedos não traduzem o meu desejo” ou “Lembra: o mangue é todo teu. Eu só quero incomodar (…) Eu não consigo viver nessa lama com vocês” canta Bruno Solto Souto, retratando o horror e o incômodo – estereotipado – contra os arranjos – estereotipados – de quem ficou no caminho sendo o resultado disso: do ruído que há entre a memória grandiosa e um decadente aproveitamento desse material.

Talvez, “Mangue Beatle” tenha força demais perto de todo o “Próxima Estação”. A faixa, arquetípica ao soar demais com a primeira década do século XXI e, infelizmente, como uma música do primeiro CD do Moptop (excluindo-se a letra, obviamente, já que somente ela vale por todas as que compuseram os meninos cariocas), é bem mais robusta em sua concepção do que as que lhe fazem companhia no disco.

Se não adentra com um rompante mais transgressor, a Volver dá um passo à frente: conseguiu, ao menos, que soasse menos singular seu single e isso é valioso. Ainda que todo o álbum envolva-se em universos facilmente penetráveis das letras e da boa voz de Souto, “Próxima Estação” gera incômodo por não incomodar mais do que seu single. A balada “Simplesmente” guarda em seus movimentos iniciais semelhança melódica com a bizarra “Seu Aniversário”, de Lulu Santos, e indica que o que a Volver constrói pode ir ao encontro de uma busca maior por significação. “Mallu” também: se não desatento, o ouvinte certamente esbarrará no flagra de lembrar da Magalhães. E quando edifica-se para caminhar com o universal de suas letras — “Gente” é a outra grande faixa do álbum — a banda encontra-se em propício lugar onde, no Brasil, o indie rock funde-se com o pop-rock.

Para o Volver, o primeiro grande passo foi dado e é “Mangue Beatle”. Mas é aterrorizante o fato do álbum não conseguir gerar caminhos para que os ouvintes possam criar “Próxima Estação” como um produto para compra, para discussão, para compartilhamento tal como “Mangue Beatle”, fosse um single e fossemos a Inglaterra ou os Estados Unidos como o som da Volver quer que sejamos, teria esta condição. “Próxima Estação” não chupa a raiz e nem a ousadia: é, ainda, um caranguejo; não de Recife, mas tão estereotipado quanto um indierocker pode ser.