É preciso entender a graveolização

Texto por Flora Pinheiro, do Brasileína

Talvez eu esteja escrevendo o texto mais sincero da minha vida. Talvez ele esteja bem atrasado também. Foram precisos dois ou três anos para entender o porquê de que, a cada 10 amigos meus, 9 gostem de Graveola e o Lixo Polifônico. A banda do filho de um professor da época de faculdade, a banda do amigo do amigo do amigo.

Comecei a ter notícias do Graveola ainda no curso de jornalismo. Resolvi baixar o cdzinho da capa amarela, mas não rolou. Era diferente de tudo que eu já tinha escutado, me causou estranheza aquela percussão diferente, apitos e tudo mais. Não fui cativada na primeira “ouvida”. Confesso que me peguei cantarolando “para, continua, para, para, continua” algumas vezes e em diversas situações. Enquanto isso, o público só aumentando e eu nadando contra a maré. Cheguei a ir em alguns shows que estavam na programação de  festivais em Belo Horizonte, mas a prioridade não era o Graveola. Até cobertura fotográfica já rolou (dão umas fotos pra lá de bonitas). Mas, não. Não entendia o encanto e a hipnose que as pessoas estavam sofrendo. O sexteto esteve presente em festivais importantes por muitas regiões do Brasil, laçou o segundo álbum, o “Um e meio” e até fez turnê por países como  Portugal, França e Itália.

Uma vez, em uma conversa com um paulista de Bauru, as coisas começaram a clarear. Eu dizia que não achava nada demais no Graveola e ficava surpresa em saber que existiam pessoas (e muitas) além de Minas Gerais que gostavam e conheciam a banda. Ele retrucava dizendo que os não-mineiros são encantados com a banda porque fora daqui talvez seja difícil encontrar algo deste gênero, com essa proposta.

Eis que surge o “Eu preciso de um Liquidificador” em um “boom” avassalador pelas redes sociais.  Todos mineiros e não-mineiros só falavam disso. “Farewell Love Song” predominava a timeline do meu facebook e twitter. Cliquei em um dos links, ouvi e pronto: aquele baião graveolizado me conquistou só na introdução. A letra entrou e já senti uma fisgada na garganta. Percebi que precisava dar uma segunda chance ao Graveola. Baixei o cdzinho da capa verde, ouvi e fiquei em estado de choque. Foram descargas e descargas elétricas a cada faixa. Uma nostalgia do que não vivi, uma viagem. Quando meus pés começaram a bater de forma espontânea, percebi que até meu corpo já tinha se rendido àquele groove, swingue.

Foi preciso parar e observar ao meu redor. De repente eu me dei conta do que estava acontecendo em Belo Horizonte. O Graveola é uma banda/coletivo que está ligada não apenas à música, mas em articulações artísticas e questões políticas. Ajudaram a criar a Praia da Estação (quem disse que a capital mineira não tem praia?), uma espécie de movimento contra a proibição de “eventos de qualquer natureza” na Praça da Estação (no Centro de Belo Horizonte) que foi decretado na era Márcio Lacerda (para entender melhor, clique aqui).  O lançamento do terceiro disco foi no final de 2011, na Comunidade Dandara, formada em 2009 com a ocupação de um terreno abandonado há mais de 30 anos e onde há atualmente cerca de mil famílias. A banda usou o lançamento do “Eu preciso de um liquidificador” como forma de dar apoio a comunidade contra a ameaça de despejo feita pela prefeitura. Evento gratuito e que tinha como plateia um mix de moradores do local e do já tradicional público.

Mas, na última sexta-feira (20 de janeiro), pude testemunhar a consolidação e reconhecimento da graveolização na cidade. Estava marcada para às 21h a gravação do DVD do mais recente álbum, no grande teatro do Palácio das Artes. Só pra se ter uma ideia, a última vez que eu tinha ocupado uma daquelas poltronas foi num show do Chico Buarque. Um pouco antes do show começar, volta e meia trombava com alguém que me questionava: “Ué, você aqui?!” Devo ter criado uma opinião muito contraditória ao logo do tempo para as pessoas se espantarem com minha presença. Pela platéia, muitos rostos conhecidos e dezenas e dezenas de pessoas que tinham a idade do meu pai, tio avô ou irmã mais nova. Um clima família e harmônico. Todos ali sabiam que aquela noite tinha tudo pra ser bonita.

As luzes se apagam e o espetáculo começa. Como todos sabem, Santa Acústica do Palácio das Artes: meus ouvidos captaram um Graveola jamais escutado. A alegria estava no ar, a magia estava no ar. Por duas, três ou quatro vezes precisei brigar com as lágrimas que teimavam e queriam descer o meu rosto. Os meus vizinhos de assento faziam de seus corpos verdadeiras percussões. Poltronas chacoalhavam pra lá e pra cá. A felicidade estava estampada em cada um do sexteto mas, principalmente, do vocalista José Luis Braga, que volta e meia saltava pelos ares, e do guitarrista Luiz Gabriel Lopes, que bailava pelo palco abraçado à sua amiga azul. A essa altura, luzes já estavam acesas e os corredores tomados pelos mais exaltados ao embalo das 14 faixas do cd, como “Desdenha” (por mim intitulada como uma singela homenagem às periguetes tilelês) e “Insensatez: a mulher que fez”, que pertence ao primeiro álbum.

Além da gravação do primeiro DVD, a noite também teve como objetivo a apresentação do clipe de “Farewell Love Song”, com produção da Sonzera Filmes. A última música da noite foi “Babulina’s trip”, conhecida como o hino da juventude revolucionária belohorizontina. Cerca de 50 pessoas subiram ao palco, se abraçaram, cantaram, demonstraram afeto. Confesso que achei o detalhe “A Banda mais Bonita da Cidade” desnecessário, mas foi perdoável. Foi bonito.

Depois do show, li comentários de conhecidos falando sobre a contemporaneidade da banda. A mais pura verdade. Graveola é a banda independente belohorizontina mais conhecida no cenário nacional e internacional. É a representação da juventude da cidade. A juventude que luta pro cenário cultural acontecer. E está acontecendo já há algum tempo, só não percebe quem não quer. Há quem ainda duvide  de sua força. Não duvide, meu amigo, não duvide. É preciso respeitar e, quem sabe, até admirar. É preciso entender a graveolização.