Artistas independentes sofrem na hora de prensar CDs e levam ‘cano’ de até R$3,5 mil

Artistas independentes sofrem na hora de prensar CDs e levam ‘cano’ de até R$3,5 mil

Deram-se exatos três minutos para que uma resposta ao email “Solicitação de orçamento para prensagem de CD” vindo do remetente Pisces Entertainment Group Brazil chegasse à caixa de entrada do Fita Bruta. Não foi assim com o cantor e compositor Marcelo Perdido.

  • É muito triste saber que ele ignora os meus e-mails sem a menor crise. Cara, qual empresa não atende o telefone? Eu cheguei a achar que eles tinham bina e não me atendiam mais.

A situação do artista paulistano é retrato da dificuldade que muitos artistas enfrentam na hora de transformar as músicas anteriormente disponibilizadas digitalmente em um tradicional álbum físico. Perdido não quer mais uma resposta de orçamento. Sua solicitação já virou intimação judicial direcionada a Ulysses Christianini, CEO da Pisces, após mais de oito meses de espera por uma tiragem de 1 mil exemplares de seu mais recente álbum, “Lenhador”, ao custo de R$ 3.500 divididos entre artista e o extinto selo Capitão Monga. O nome de Ulysses circula em e-mails e em  cartas abertas sempre como um empresário que enfrenta problemas de saúde e, por isso, estaria fora dos assuntos do mercado.

  • A assinatura de recebimento da intimação é do proprio Ulysses e foi dada no dia 24 de junho. Ou seja, o cara tá lá, trabalhando no endereço do escritório deles.

A empresa de Ulysses é estabelecida em Bauru, interior de São Paulo. O portfolio de mais de 17 anos seduziu outros artistas independentes além de Marcelo Perdido.


A cantora nana também enfrentou problemas com a prensagem de seu debute “Pequenas Margaridas”. Verdade que não houve sumiço por problemas de saúde, tampouco telefonemas em vão. Prensados pela AMZ Mídia, de Manaus, os 995 exemplares da cantora baiana vieram com erros no corte e distorções na arte confeccionada pela própria artista.

  • O disco já sai da fábrica direto para o cliente. Não há um controle de qualidade. Fiquei muito triste porque deu muito trabalho para fazer toda a arte. Eles enviam o mesmo arquivo de photoshop que você enviou pra eles com a pergunta “é isso aqui mesmo?”.

“Já mandei mais de 100 emails pra ele. Agora [depois de a reportagem ter entrado em contato] eu liguei e ele me atendeu.”

O prazo dado pela empresa MCK, de São Paulo, foi de até 45 dias*. As cópias só chegaram nas mãos de nana, em Salvador, com dois meses de atraso. A empresa confirma que o produto final não passa por São Paulo antes de chegar ao cliente, sendo este responsabilidade da fábrica. No entanto, apesar de se mostrar solícita ao consenso, a MCK não confirma uma possibilidade de contrapartida para a artista devido aos atrasos e erros no processo.

  • Existem critérios técnicos que não foram cumpridos pela fábrica. Estamos aguardando um laudo para que as medidas sejam tomadas. Nosso objetivo é o consenso. Houve um erro. – justifica Marcio Massaro, gerente de departamento.

Em seu site, a MCK expõe em layout confuso uma imensa lista com o nome de artistas independentes que já realizaram prensagem junto à empresa que atua desde 1994 no mercado. Quando perguntado sobre quais garantias o artista independente pode se basear para realizar o sonho do CD físico, Massaro recomenda que se pesquise quais empresas são credenciadas pelas fábricas sediadas, em sua maioria, em Manaus. Segundos após, volta atrás na afirmativa. Nem no site da MCK, nem da AMZ Mídia há algum indicativo deste tipo.

  • Essas informações ficavam disponíveis antigamente. – diz, contrariado, para depois confirmar o diagnóstico do mercado para o artista independente. – É, realmente, acaba ficando difícil.

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  • Já faz mais de um ano, depositei o dinheiro, nunca recebi o CD, nem a grana de volta… – conta um desanimado Rodrigo Zanette, dono do selo Propagate Shop e há um ano e quatro meses tentando ter algum tipo de resposta vinda de Bauru. “A Pisces tem em seu ‘Portfólio’ algumas bandas ‘famosas’ lançadas, mas não se enganem, é justamente nas bandas ‘pequenas’ que esse cara tira proveito” diz um comunicado na página oficial do selo de Zanette.

Rodrigo Chinho, vocalista da banda Chuva Negra, viu o desfecho de um emblóglio de quatro meses só ser resolvido junto à Pisces após ameaça de processo.

  • À época, disseram pra gente ‘pegar leve’ porque ele estava doente. Então tornamos o caso público e o ameaçamos com processo. Somente a partir desse ponto é que ele resolveu depositar o dinheiro, um total de R$ 1.500.

“Já faz mais de um ano, depositei o dinheiro, nunca recebi o CD, nem a grana de volta…”

No catálogo da empresa, duas bandas que já despontaram para além do circuito independente servem como convites à credibilidade da Pisces: o Rock Rocket e o Leela. Há dois anos, o Leela assinou o pacote completo oferecido pela empresa e, além da prensagem, lançou pelo selo o álbum “Música Todo Dia”. A vocalista Bianca Jhordão vê na repercussão anterior da banda pelo mainstream um dos motivos por não ter enfrentado alguma adversidade no percurso.

  • Com a gente foi um processo tranquilo, realmente tem a ver com a nossa trajetória. Mas já ouvi muitas histórias de bandas que reclamaram de esperar o disco ser prensado e demorou mais que o normal ou até nem foi prensado. – ressalva.

Sobre o CEO da empresa, Jhordão limita-se a falar do estado de saúde no qual se encontraria Ulysses.

  • Faz um tempo que ele está no interior com problemas de saúde.

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Tantas especulações fizeram não só que Marcelo Perdido arcasse com a confecção de exemplares de emergência do álbum como também passasse a encontrar pela internet cada pessoa ligada à empresa.

  • Eu entrei numa ‘nóia‘ de que ninguém da empresa existe. Ele só voltou a me responder, em junho, após a intimação judicial. De lá pra cá, os contatos não tinham nenhuma garantia e eram vagos. Apenas a informação de que o disco estaria na fábrica sendo finalizado. O último contato foi no dia 17 de julho também após meu advogado se manifestar.

Na ocasião, Ulysses havia prometido os mil exemplares de “Lenhador” para o dia 25 de julho. Por email, confirmou o problema de saúde, os atrasos e disse também ser vítima de artistas.

  • Realmente estou passando por problemas de saúde. Mas o atraso de alguns lançamentos foi devido a um problema com a fábrica – explicou. Assertivo, pediu para que a reportagem informasse os nomes dos artistas reclamantes para que uma posição sobre os respectivos álbuns fosse dada, além de alegar sigilo em torno do nome da fábrica responsável pela prensagem por “motivos judiciais”.

  • O CD [de Perdido] encontra-se pronto apenas aguardando a entrega do [setor] gráfico para montagem, lacre e entrega dos mesmos!

Apesar das exclamações, a convicção de Ulysses está longe de ser compartilhada pelos artistas que seguem no aguardo de uma definição. A empresa responsável pela prensagem, situada em Belo Horizonte, confirmou a situação de “Lenhador”. No entanto, a entrada no pedido foi registrada no dia 30 de junho, uma semana após a intimação aberta pelo artista contra a Pisces.

  • Antes disso ele não estava fazendo o disco. A única coisa que foi despachada foi o CD “no pino” [sem o encarte e envólucro]. Óbvio que nada disso chegou. Nem satisfação por email.

Rodrigo Zanette, do Propagate Shop, também atualiza a situação em tom de lamento. No mesmo email em que “esclarecia” a situação de Perdido, Ulysses disse que era Zanette quem não havia mais respondido os emails (“falta de paciência e atitude do mesmo, mas não tiro a razão dele!”) e que a situação seria resolvida com a devolução do investimento.

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  • É mentira. Já mandei mais de 100 emails pra ele. Agora [depois de a reportagem ter entrado em contato] eu liguei e ele me atendeu. Disse que vai providenciar o dinheiro.

Uma semana após, o dinheiro não fora depositado.

  • É uma piada mesmo – desabafa Zanette.

*O produto final e revisado do álbum “Pequenas Margaridas”, da cantora nana, chegara às mãos da artista em dezembro enviada pela MCK — três meses após a publicação desta matéria.