Cícero Rosa Lins é um rapaz do Rio de Janeiro que se viu dentro de um turbilhão de hype no ano de 2011, com o lançamento (ou disponibilização) do álbum “Canções de Apartamento”. A capa do disco talvez me poupe algumas linhas ao resumir bem as referências (não necessariamente sonoras) do músico: há nas prateleiras que formam a cover art de “Canções…” citações aos Beatles, ao Radiohead e a Thom Yorke, a Chico Buarque, ao Tropicalismo, à Rolling Stone, entre outras. Em algumas palavras: Cícero foi em 2011 o arquétipo do rapaz da classe média-alta brasileira e seu disco, um fruto alegórico de uma juventude rica que se sente bastante à vontade e culta, muitas vezes até demais, apenas com as referências acima.

Não por acaso, aquelas supostas canções de apartamento encontraram um eco maior e tornaram-se muito mais do que diziam ser. Cícero encontrou um público sedento por algo que não sabiam denominar, uma expectativa que só a ausência de um grupo sabiamente implodido (temporariamente, diz-se) poderia gerar. Por isso, não é exatamente uma surpresa que Cícero, em “Sábado”, seu novo álbum, não se disponha a um grande projeto, a uma proposta audaz ou que abarque muitos propósitos. Se “Canções de Apartamento” guardava na sua modéstia um desejo de congratulação, “Sábado” mantém e reforça a despretensão de antes como forma de lidar com o sucesso não tão inesperado, porque desde sempre desejado. Por sua clareza de propósito, “Sábado” é mais honesto e sincero que “Canções de Apartamento”, mas não menos ambicioso. A frugalidade da música de Cícero continua dissimulando um desejo por  reconhecimento que pouco tem a ver com o que ela apresenta. Há nessa sua decisão, a de manter-se no campo do prosaico, um tanto de coragem assim como um tanto de covardia. Essa ambiguidade por si só faz de Cícero um personagem bastante interessante na música brasileira recente. E não me parece tolice imaginar que seja também tal ambiguidade o que faz acalourados os debates em torno da sua música.

Mas como se manifestam todas essas (faltas de) intenções em “Sábado”? Conceitualmente, num disco que se propõe a traduzir em meia hora de música os 30 minutos de um fim de tarde qualquer. O álbum possui uma ambiência de céu pesado (como canta em “Por Botafogo”), o silêncio da troca de guarda da natureza materializando-se nos graves fortes ao longo do disco. Um violão de apartamento, claustrofóbico, marca todo o disco. Mas “Sábado” é um disco de ruídos, de som de fundo, onde o canto de Cícero funciona mais como contraposição do que fundamento, base, das músicas. O que Cícero forjou ao redor do que canta, sua ambientação, é muito mais interessante do que sua poesia, na maioria das vezes rasa. Os bons momentos que a música, quando cantada, oferece surgem mais como resultado de uma boa melodia do que da letra ou da voz do cantor.

Não é à toa que as melhores passagens de “Sábado” sejam instrumentais, quando Cícero interessa-se mais por sua música do que pelo quer dizer. Isso fica claro em canções como “Porta Retrato”, descartável quase em sua totalidade. O mesmo poderia dizer-se de “Ela e a Lata”, não fosse o bom achado ao fim da canção, quando Cícero canta do modo singelo que o álbum pede, a repetição dando força e sentido ao verso: “vou sair / pra passear / vou sair / pra passear / vou sair / pra passear“. Mas a maioria das letras despretensiosas do disco esconde na realidade uma falsa banalidade. Cícero parece querer dizer muito com seu pouco, mas na maioria das vezes não diz nada. Não há muito aproveitável em “Sábado” além da música. Felizmente, há neste disco mais música que letra.

Mas o maior mistério de “Sábado” está ali, escondido, na tag ‘Genre’ do álbum digital, compartilhado pelo artista. Estamos em 2013 e alguém com a sensibilidade para fazer algo tão interessante quanto “Capim-limão” ainda opta por assemelhar-se a uma limitação tão imprecisa e tantas vezes equivocada quanto a MPB. É de uma contradição tão absurda que Cícero associe-se assim, voluntariamente, a tal denominação, que me faz indagar se o músico sabe e conhece de fato, se tem dimensão do que fez por exemplo em “Fuga Nº 4”, uma das músicas mais bonitas lançadas no Brasil em 2013. Faz lembrar a prisão em que Adriana Calcanhotto amargou alguns anos, quando se encontrava limitada por público e gênero, enquanto criava algo muito além do barzinho e violão que esperavam dela. A diferença é que Calcanhotto tinha todo um aparato comercial de gravadora por trás de si, com muitos outros interesses nessa designação além da música propriamente dita. Mas o que pensar de um artista que disponibiliza seu álbum grátis na internet e insiste em ser associado a essa masmorra musical chamada MPB? Penso em algumas (três) possíveis explicações, a mais complacente sendo a que imagina que tudo isso não seja mais do que a ignorância de um possível encarregado da distribuição digital do disco. Mas, como diria o outro, o diabo está nos detalhes.

Curiosamente, é também nos detalhes que “Sábado” se mostra mais interessante.