Dona Onete | Feitiço Caboclo

Dona Onete

Feitiço Caboclo

[Ná Music; 2012]

8.0

ENCONTRE: Site Oficial

por André Leão; 28/08/2012

Ionete da Silveira Gama, a Dona Onete, 73 anos de idade, nasceu em Cachoeira do Arari, parte do Arquipélago do Marajó, situado no estado do Pará. Ela exerceu a docência em história em outro município paraense, Igarapé-Miri, onde também foi secretária de cultura e fundou grupos de dança e música regionais, em mais de 25 anos de atuação na área cultural. Apesar de ter seu primeiro disco lançado somente agora, Dona Onete já figurou em diversos registros fonográficos, como os dos festivais Se Rasgum (Belém) e Recbeat (Recife) e no disco de Gaby Amarantos, além de sua figuração no Coletivo Rádio Cipó e de uma participação no filme “Eu receberia as piores notícias dos seus lindos lábios”, de Beto Brant e Renato Ciasca.

Essa versatilidade cultural de Dona Onete, construída ao longo de todos esses anos, ajudou-a na construção de seu primeiro lançamento oficial, “Feitiço Caboclo”, pelo selo Ná Music. Em seu disco, ela nos leva, em pleno 2012, a uma nostálgica Era do Rádio, modernizada pela produção magistral do multi-instrumentista Marco André. A comparação é devida em especial à semelhança da voz de Onete às de cantoras dos anos 1950 como Ângela Maria, Dolores Duran e Dalva de Oliveira.

Há toda uma metonímia em “Feitiço Caboclo”, como na canção inicial, “Poder de sedução”, que prontamente seduz o ouvinte com um trip-hop mesclado a regionalismo paraense. Outro destaque é “Jamburana”, na qual um coro formado por Gaby Amarantos, Lia Sophia, Luê Soares e Keila Gentil (Gang do Eletro) mimetiza o gosto do vegetal Jambú, que causa um curioso tremor na língua. Revelando a influência de Dona Onete na cena atual do estado do Pará, participam também do álbum outras estrelas do panteão do estado: da guitarrada (Mestre Vieira), da world music (Pio Lobato e Marco André) e do brega antigo (Manoel Cordeiro). Com uma mistura de tradição e modernidade, Ionete consegue desmistificar a tão falada “febre dos ritmos paraenses” e põe entonação diferente e diversa ao tecnobrega ou ao esquecido rock regional do Pará.

O lançamento de “Feitiço Caboclo” somente em 2012 faz lembrar também os primeiros discos de Cartola, não somente pelo registro tardio de um artista já reconhecido no seu meio cultural, mas também pela situação de modernização e debate em que se encontrara o samba nos anos 1960 e em que se encontram nos dias de hoje os gêneros regionais paraenses. Contudo, e os exemplos são muitos e variados, não é por ser um disco até certo ponto temporão que este não representará a música de atualmente.

De certa forma, “Feitiço Caboclo” é um disco novo feito por uma artista experiente. Entretanto, como Dona Onete mesma afirmou, não é um disco que concebe sua ascensão como artista musical, no sentido de que não é feito com a intenção de ser sua principal fonte de renda. Em síntese, poderíamos dizer que Dona Onete é tão nova quanto qualquer banda sueca com EP publicado na NME, com a diferença de que provavelmente ainda nos lembraremos dela no ano que vem.