Letuce | Manja Perene

Letuce

Manja Perene

[Bolacha Discos; 2012]

8.5 FITA RECOMENDA

ENCONTRE: Soundcloud

por Túlio Brasil; 08/02/2012

Suavidade é um código no Letuce. A dupla carioca Leticia Novaes e Lucas Vasconcelos construiu uma maneira pessoal de construir suas canções, formadas pela paixão e carinho que dedicam ao ato. E seja em melodias lentas, pegadas mais rápidas semelhantes a um indie-rock qualquer, “Manja Perene” mais que isso é um sinal de evolução dos dois. Unidos pelo amor antes da músicas, a equação dá certo quando aliada a uma dose pouco usual de bom gosto. Se no disco de estréia tudo parecia um pouco limitado em nome de um som mais “popular brasileiro”, “Manja Perene” esbanja uma personalidade e acertos que faltam em muitos lançamentos de bandas de rock daqui.

Em levadas mais pausadas, como em “Pra Passear”, a propostas mais inusitadas, do tipo de “Fio Solto”, a banda carioca demostra uma vitalidade rara em grupos nacionais. Menos preocupadas em seguir um formato ou “aparentar ser algo”, nota-se uma espontaneidade deliciosa na voz de Leticia, brilhantemente acompanhada por Lucas na guitarra. Embora o Letuce seja uma encarnação una dos dois, há de se lembrar que existem músicos juntos deles – Fábio Lima e Thomas Hares – que contribuem para a consistência do álbum. Além de fazer “direitinho”, como grande parte dos discos nacionais se propõe a fazer, rola uma atmosfera informal que acerta as arestas das melodias. Talvez sejam os três anos de shows que o Letuce fez, talvez seja o grupinho que permeia a maioria das produções no Rio de Janeiro. Inquestionável é que foi criado um clima muito bom para a realização desse disco. “Chess Trip”, toda light, passeia leve por um piano agudo permeado por silêncio e conjugado numa levada calma de bateria. Tal qual um diálogo informal dos amigos que se criaram para gravar.

Na química entre o casal, nada pode interferir. “Tudo é permitido, sem grade, sem chave”, brada Lucas em “Areia Fina”, para logo depois confessar que “tudo que é perfeito dá defeito cedo ou tarde”. Dentro dessa sucessão de tentativas e imbróglios, pode-se assumir alguns equívocos da dupla. A perfeição passa um pouco distante, nem todas as canções equalizam uma trilha perfeita. A voz de Lucas, por exemplo, deixa a desejar em algumas canções. Mas na união com Leticia, encontra uma unidade assaz encantadora. Remontam em faixas como “Cataploft” a beleza que um enxerga no outro, as contradições se justificam numa adição de qualidades. “Freud Sits Here” (que música!), “Sempre Tive Perna”, e, principalmente, “Medo de Baleia” consagram a audácia dos dois em tratar seu relacionamento por melodias e harmonias num álbum tão bem moldado.

A atitude que faltou para o primeiro disco, “Plano de Fuga pra Cima de Mim e Dos Outros”, aparece sem vergonha em “Manja Perene”. Essa característica nunca faltou nos shows da banda, que sempre demostrou espontaneidade e atitude. Fixando isso bem em álbum, talvez agora o Letuce rompa barreiras e consiga ir muito além do Rio de Janeiro. Primeira música de divulgação, “Insoniazinha” conta que “para curar a insônia talvez eu tenha um bebê”. Se o bebê em questão for “Manja Perene”, e oo motivo da fuga do sono for um insucesso em registrar as boas ideias do grupo, agora Lucas e Leticia podem dormir tranquilos.

Eles passeiam de uma calma bossa-nova à uma guitarra estilo indie-rock na maior naturalidade. Pegam um sentimento implícito no ecletismo presente em uma geração, e o traduzem pelo código do amor dos dois. Bons de amizade, André Dahmer contribui bem como compositor na última música do disco, “Ninguém Muda Ninguém”.

Por mais que os acertos do Letuce inspirem superlativos, sabe-se que ir além é possível. “Manja Perene” vai muito adiante da estréia, mas ainda carece de um grande pulo, uma canção grandiosa para ir mais longe e estourar com quem não está afim de bossa nova ou rock. Possivelmente essa não é uma meta de Leticia e Lucas, e não precisa ser. No entanto, fica o sentimento de que se trata de um álbum que poderia atingir muito mais gente com uma sacada genialmente popular. Ninguém sabe direito como isso vai acontecer, mas como Leticia cantarola num trecho de um autêntico hit no final de “Medo de Baleia”, “deixa acontecer naturalmente”. Estão no caminho certo.