Maria Bethânia | Oásis De Bethânia

Maria Bethânia

Oásis de Bethânia

[Biscoito Fino; 2012]

5.8

ENCONTRE: iTunes

por Matheus Vinhal; 09/04/2012

No deserto da música brasileira, o Oásis de Bethânia, infelizmente, está mais para miragem. Peço perdão pela imagem barata e gasta deste quase tweet, mas há poucas representações mais adequadas para o último disco de Maria Bethânia, então é a ela que me vou ater (mas só um pouco, prometo). A questão é que há muitos, variados caminhos para se chegar ao Oásis de Bethânia e todos eles, porém, quase todos parecem iludir o ouvinte. Talvez iludir nem seja o melhor verbo, talvez o mais apropriado seria dizer que esse é um disco que seduz, com tudo de bom e mau que há no significado do verbo, justamente como uma miragem para um beduíno vagando pelas areias do Saara. Bethânia é o faquir, nós somos sua serpente.

Provavelmente não seria necessário esclarecer, mas aqui não se põe em questão a excelência magnífica, perenemente assombrosa de Maria Bethânia. Depois de (por volta de) 50 discos lançados, estamos diante de uma verdadeira epifania da música brasileira. Bethânia já venceu esse jogo, há muitos anos. Ela sabe o que faz e o que quer. Toda essa sedução, esse poder sobre o ouvinte já se mostra logo na abertura do disco, com o bandolim de Hamilton de Holanda nos incentivando ao choro obsceno daqueles que não tem porquê, antes mesmo que Bethânia inaugure efetivamente o disco e alguma lágrima com um suspiro e as palavras da mais pura ilusão musical: “ah, deixa-me chorar”.

São dois os motivos para que a fantasia de Oásis de Bethânia não funcione como antes. O primeiro é, precisamente, a comparação com o passado. E ninguém seria tolo o suficiente de opor este disco aos trabalhos mais antigos de Maria Bethânia, quando deslumbramento e excelência se mesclavam de tal maneira que não era fácil separá-los (há quem chame isso atualmente de hype, veja só). Mesmo assim, se o considerarmos junto com os dois últimos discos por exemplo, encontraremos a excepcional Maria Bethânia de sempre, cantando músicas mais fracas. E é exatamente esse o segundo motivo para a fantasia não funcionar nesse disco. Hoje, depois de tanto tempo, não há mais deslumbramento, já sabemos quem é Bethânia, sua magia, seu encanto. Sobraria a excelência. Mas Oásis de Bethânia é um disco curto, de poucas canções, no qual poucas conseguem sustentá-lo de fato. É um disco feito de pequenos achados, dentro de cada canção há um tesouro, uma poça d’água para a boca sedenta. Não é oásis.

E quando não há deslumbramento nem excelência, o procedimento se revela e a mágica desaparece. O trabalho e a dedicação de Bethânia com a palavra é algo sem comparação na música brasileira, mas em Oásis o propósito de despir as canções de quase tudo que é acessório, deixando apenas (algum) acompanhamento e voz (e a palavra, cerne de cada canção escolhida pela cantora), para justamente criar um clima de deserto, acaba por secar de fato as canções. Elas não têm desenvolvimento longe da palavra e, ao contrário de discos anteriores nos quais essa era precisamente sua maior qualidade, é esta a maior falha de “Oásis de Bethânia”. A irregularidade das canções, a falta de musicalidade dessas, escancarando o procedimento de uma artista.

Um outro caminho para se chegar ao Oásis de Bethânia é mais ambíguo, cheio de quiçás. Talvez seja justamente uma (falta de) estratégia de marketing (sempre ele), mas o ponto é que é bem difícil relevar o fato de que as duas maiores divas da Tropicália (Nara, Rita, vocês têm outras trincheiras) estejam lançando discos tão diferentes em períodos tão próximos. A comparação entre Recanto, de Gal Costa, e Oásis de Bethânia fica assim praticamente inevitável. E, bem, não há contraste maior entre dois discos brasileiros recentes. Em Oásis, mesmo que as canções não estejam constantemente à altura do mito que é Bethânia, fica clara sua primazia, sua preeminência no que faz. Enquanto Gal vaga pelos anos procurando outros poços, outros compositores, outros horizontes, outros timbres, outras sombras, Bethânia permanece no seu porto seguro, no seu oásis, prefere o de sempre, seus compositores prediletos, sua produção limpa, sua voz soando e ecoando como no show que preparará para os próximos meses. E quem poderá julgá-la?

Poderia responder: ninguém pode, ninguém poderá. Mas é aí, na ambigüidade e no paradoxo de seu disco, que Maria Bethânia, na sua eterna busca pelo primor, pelo completo apuro artístico, nos mostra como melhor seria se se aventurasse mais, ainda que se mantendo nos seus domínios. Especialmente com duas canções, “Calmaria” e “Carta de Amor”, Bethânia se revela verdadeiramente, como pessoa e artista, e encontramos de fato um oásis no deserto que as outras canções formam no disco. E é aí que reside o paradoxo do “Oásis de Bethânia”. São nas suas duas faixas mais secas que o disco melhor se sustenta. “Calmaria”, no procedimento: apenas um corajoso berimbau soando enquanto Maria Bethânia vai do canto à declamação de “Não Sei Quantas Almas Tenho”, resumindo tudo que é e já foi. Na metade do disco, Bethânia apenas fala, sua voz sobre tudo e nada.

E há “Carta de Amor”, que não merece uma frase, não merece um parágrafo. Merece um texto inteiro, só pra si. Falo mais dela aqui. Aqui dela não falo mais.

O curioso desse disco é que Oásis de Bethânia é quase traído por suas melhores canções, que despertam o ouvinte da ilusão da eterna sublimidade de Bethânia, mostrando que, além do mais do mesmo, Bethânia pode ainda mais, quando se entrega mais, quando é ferida pela crítica, pela imprensa, por seu próprio público. Dentro da miragem que é Oásis de Bethânia, há de fato um oásis, mas é um oásis paradoxal, o oco do oco do oco, onde a água que provamos só nos faz ter mais sede.